26 de mai. de 2021

O inútil luar



O inútil luar
(Manuel Bandeira)

É noite. A Lua, ardente e terna,
Verte na solidão sombria
A sua imensa, a sua eterna
Melancolia . . .
Dormem as sombras na alameda
Ao longo do ermo Piabanha.
E dele um ruído vem de seda
Que se amarfanha . . .

No largo, sob os jambolanos,
Procuro a sombra embalsamada.
(Noite, consolo dos humanos!
Sombra sagrada!)

Um velho senta-se ao meu lado.
Medita. Há no seu rosto uma ânsia . . .
Talvez se lembre aqui, coitado!
De sua infância.

Ei-lo que saca de um papel . . .
Dobra-o direito, ajusta as pontas,
E pensativo, a olhar o anel,
Faz umas contas . . .

Com outro moço que se cala,
Fala um de compleição raquítica.
Presto atenção ao que ele fala:
— É de política.

Adiante uma senhora magra,
Em ampla charpa que a modela,
Lembra uma estátua de Tânagra.
E, junto dela,

Outra a entretém, a conversar:
— "Mamãe não avisou se vinha.
Se ela vier, mando matar
Uma galinha."

E embalde a Lua, ardente e terna,
Verte na solidão sombria
A sua imensa, a sua eterna
Melancolia . . .


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23 de mai. de 2021

A VIDA NA CONTRAMÃO



A VIDA NA CONTRAMÃO
(Afonso Estebanez) 

Não me embebedo com nada
porém me embriago de tudo
quanto mais me dão porrada
quanto mais me tenho mudo

Minha alma anda para frente
mas meu eu sempre pra trás
o que eu sonho é indiferente
quando peço o amor me traz

Minha vida anda embriagada
entre a aurora e a escuridão
bate em portas sem entrada
e quando entra é contramão

E esse mundo é tão deserto
que a noite me dorme acesa
com temor de não dar certo
meu despertar sem tristeza

E assim meus dias se calam
como as noites sobre o mar
como as rosas que só falam
quando o amor quer escutar.


Agradeço sua visita. 
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22 de mai. de 2021

Noite



Noite
(Menotti del Picchia)
       
As casas fecham as pálpebras das janelas e dormem. 
Todos os rumores são postos em surdina, 
todas as luzes se apagam. 

Há um grande aparato de câmara funerária 
na paisagem do mundo. 

Os homens ficam rígidos, 
tomam a posição horizontal 
e ensaiam o próprio cadáver. 

Cada leito é a maquete de um túmulo. 
Cada sono em ensaio de morte. 

No cemitério da treva 
tudo morre provisoriamente.



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12 de mai. de 2021

Flores Noturnas



"Flores Noturnas"

Na eterna paz das noites silenciosas
E por onde estrelas glaciais florescem,
Pelas excelsas aras luminosas
Dos céus azuis, brancas neblinas descem.

Cristalinas hosanas langorosas
Na boca dos arcanjos desfalecem.
E num concerto de harpas misteriosas
Lótus de amor pela amplidão fenecem.

Todo o paul da terra se perfuma
E desabrocha no éter e na bruma
A gestação das flores imortais.

E, do mar das angústias e das ânsias,
As nossas almas boiam nas distâncias
Das remotas paragens siderais.

Gonçalo Jácome
De “Panorama do Movimento Simbolista Brasileiro”


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5 de mai. de 2021

A BOCA DA NOITE



A BOCA DA NOITE

Não olhes: é a noite
completa que tomba.

Não olhes: é a estrada
que, súbito, acaba.

Não olhes: é o anjo,
teu anjo que chora.

Não olhes.

Emílio Moura




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29 de abr. de 2021

Como a Noite é Longa!



Como a Noite é Longa!

Como a noite é longa!
Toda a noite é assim...
Senta-te, ama, perto
Do leito onde esperto.
Vem p’r’ao pé de mim...

Amei tanta coisa...
Hoje nada existe.
Aqui ao pé da cama
Canta-me, minha ama,
Uma canção triste.

Era uma princesa
Que amou... Já não sei...
Como estou esquecido!
Canta-me ao ouvido
E adormecerei...

Que é feito de tudo?
Que fiz eu de mim?
Deixa-me dormir,

Dormir a sorrir
E seja isto o fim.

Fernando Pessoa,
 in "Cancioneiro"


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21 de abr. de 2021

Na noite que me desconhece



Na noite que me desconhece
O luar vago, transparece
Da lua ainda por haver.
Sonho. Não sei o que me esquece,
Nem sei o que prefiro ser.

Hora intermédia entre o que passa,
Que névoa incógnita esvoaça
Entre o que sinto e o que sou?
A brisa alheiamente abraça.
Durmo. Não sei quem é que estou.

Dói-me tudo por não ser nada.
Da grande noite embainhada
Ninguém tira a conclusão.
Coração, queres? Tudo enfada
Antes só sintas, coração.

Fernando Pessoa
18/05/1930


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6 de abr. de 2021

A NOITE NEGRA DA ALMA



A NOITE NEGRA DA ALMA

A noite negra d'alma é a agonia
do pássaro flechado no infinito;
não há regresso... O corpo se esvazia
da vida... E a morte é o santo veredito.

A noite negra é o nada... É dor... Conflito
entre a esperança e o canto de elegia...
Entre o alento e o ar, que não sacia...
Entre o sorrir do sol e o fim do dia.

A noite negra d'alma é dor perene,
é o sofrimento em rito mais solene...
É dor, a dor maior, dentro de mim!

E só resta pedir por miserere,
que o céu acalme a dor, que tanto fere...
E a paz... A paz me acolha... Sempre... Enfim!


- Patrícia Neme -


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16 de mar. de 2021

A solidão era eterna...



A solidão era eterna
e o silêncio inacabável.
Detive-me com uma árvore
e ouvi falar as árvores.

Juan Ramón Jiménez


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