Quem tivesse um amor, nesta noite de lua,
para pensar um belo pensamento
e pousá-lo no vento!...
Quem tivesse um amor - longe, certo e impossível -
para se ver chorando, e gostar de chorar,
e adormecer de lágrimas e luar!
Quem tivesse um amor, e, entre o mar e as estrelas,
partisse por nuvens, dormente e acordado,
levitando apenas, pelo amor levado...
Quem tivesse um amor, sem dúvida nem mácula,
sem antes nem depois: verdade e alegoria...
Ah! Quem tivesse... (Mas quem tem? Quem teria?)
Cecília Meireles
30 de abr. de 2012
ROMANTISMO
EXÍLIO
Eu caminhei na noite
Entre silêncio e frio
Só uma estrela secreta me guiava
Grandes perigos na noite me apareceram
Da minha estrela julguei que eu a julgara
Verdadeira sendo ela só reflexo
De uma cidade a néon enfeitada
A minha solidão me pareceu coroa
Sinal de perfeição em minha fronte
Mas vi quando no vento me humilhava
Que a coroa que eu levava era de um ferro
Tão pesado que toda me dobrava
Do frio das montanhas eu pensei
«Minha pureza me cerca e me rodeia»
Porém meu pensamento apodreceu
E a pureza das coisas cintilava
E eu vi que a limpidez não era eu
E a fraqueza da carne e a miragem do espírito
Em monstruosa voz se transformaram
Disse às pedras do monte que falassem
Mas elas como pedras se calaram
Sozinha me vi delirante e perdida
E uma estrela serena me espantava
E eu caminhei na noite minha sombra
De desmedidos gestos me cercava
Silêncio e medo
Nos confins desolados caminhavam
Então eu vi chegar ao meu encontro
Aqueles que uma estrela iluminava
E assim eles disseram: «Vem conosco
se também vens seguindo aquela estrela»
Então eu soube que a estrela que eu seguia
Era real e não imaginada
Grandes noites redondas nos cercaram
Grandes brumas miragens nos mostraram
Grandes silêncios de ecos vagabundos
Em direcções distantes nos chamaram
E a sombra dos três homens sobre a terra
Ao lado dos meus passos caminhava
E eu espantada vi que aquela estrela
Para a cidade dos homens nos guiava
E a estrela do céu parou em cima
De uma rua sem cor e sem beleza
Onde a luz tinha a cor que tem a cinza
Longe do verde do azul da natureza
Ali não vi as coisas que eu amava
Nem o brilho do sol nem o da água
Ao lado do hospital e da prisão
Entre o agiota e o templo profanado
Onde a rua é mais triste e mais sozinha
E onde tudo parece abandonado
Um lugar pela estrela foi marcado
Nesse lugar pensei: «Quanto deserto
atravessei para encontrar aquilo
que morava entre os homens e tão perto»
(Sophia de Mello Breyner Andresen)
A NOITE E A CASA
A noite reúne a casa e o seu silêncio
Desde o alicerce desde o fundamento
Até à flor imóvel
Apenas se ouve bater o relógio do tempo
A noite reúne a casa a seu destino
Nada agora se dispersa se divide
Tudo está como o cipreste atento
O vazio caminha em seus espaços vivos
A noite reúne a casa e o seu silêncio
Desde o alicerce desde o fundamento
Até à flor imóvel
Apenas se ouve bater o relógio do tempo
A noite reúne a casa a seu destino
Nada agora se dispersa se divide
Tudo está como o cipreste atento
O vazio caminha em seus espaços vivos
29 de abr. de 2012
POETA DE UM POEMA SÓ
Há dias
(muito escuros)
em que me surpreendo a lembrar
autores de uma música só,
escultores de uma estátua só,
pintores de uma tela só.
Há dias
(muito escuros)
em que deprimo ao me ver
poeta de um poema só!
Edival Perrini, em
poemas do amor presente
ESPANTO POR ESPANTO
a vida é isso?
essa espera de auroras
boreais
estar a sós com seus
pensamentos
falcões amestrados
em direção do passado
ao futuro
ao fundo duro
dos abismos?
o tempo não se mexe
penhasco imutável
no oceano das horas
nós é que nos vamos
estranhas marionetes
sem rumo
então a vida é isso
segundo por segundo
estrela por estrela
espanto por espanto
Roseana Murray
EXPLOSÃO
da neurose toda a angústia,
e da psicopatia eu quero
a ausência de escrúpulos.
Nesta noite,
quero me projetar em você
feito delírio,
quero explodir dentro de você
num surto só de paixão.
Por que, meu Deus,
nesta noite
eu estou sózinho?
Edival Perrini,
em poemas do amor presente.
EM TODOS OS JARDINS
Em todos beberei a lua cheia,
Quando enfim no meu fim eu possuir
Todas as praias onde o mar ondeia.
Um dia serei eu o mar e a areia,
A tudo quanto existe me hei de unir,
E o meu sangue arrasta em cada veia
Esse abraço que um dia se há de abrir.
Então receberei no meu desejo
Todo o fogo que habita na floresta
Conhecido por mim como num beijo.
Então serei o ritmo das paisagens,
A secreta abundância dessa festa
Que eu via prometida nas imagens.
É TÃO FUNDO O SILÊNCIO
Nem o som da palavra se propaga,
Nem o canto das aves milagrosas.
Mas lá, entre as estrelas, onde somos
Um astro recriado, é que se ouve
O íntimo rumor que abre as rosas.
José Saramago
INFINITO SILÊNCIO
(há)
um enorme silêncio
anterior ao nascimento das estrelas
antes da luz
a matéria da matéria
de onde tudo vem incessante e onde
tudo se apaga
eternamente
esse silêncio
grita sob nossa vida
e de ponta a ponta
a atravessa
estridente
Ferreira Gullar
SUBIA A LUA, LEVE...
Ungia a noite voluptuosa e ardente.
A sua luz era tão branca que tornava o céu diáfano...
Subia a lua leve como o pensamento.
Eu dialogava com o silêncio... Uma toada rústica
De flautas e violões transportou-me à saudade.
E, abstrato de mim mesmo, eu te bendisse, ó música,
Que da tristeza de pensar me libertavas!
Da Costa e Silva
SAIO DO SONHO, DA NOITE, DO ABSURDO
Saio do sonho, da noite, do absurdo:
sou navegante que aborda o limite humano,
espuma breve.
Meus vestidos são de uma tristeza total:
da frágil superfície ao denso forro,
profundo mar.
Pergunto-me por que venho
e por que venho assim vestida:
- é dos lugares do sonho, da noite, do absurdo?
- é do limite humano a que abordo,
séria e inerme?
Entre os dias humanos
e a noite ex-humana
que mensageiro acaso somos?
A que destinatários?
em que linguagem?
que mensagem?
Ó noite, ó sonhos,ó absurdo
onde, no entanto, fluíamos, claríssimos!
Cecília Meireles
In: Poesia Completa
NOITE
28 de abr. de 2012
NOTURNO
27 de abr. de 2012
HOUVE TEMPOS
PLASMA
Apanhei à profunda noite
uma mancheia de estrelas límpidas
e amassei-as com o barro humilde
ainda cheio de telúricas pulsações.
E assim criei o plasma novo
que meus dedos pediam
para a modelagem das minhas
formas inaugurais...
Tasso da Silveira
26 de abr. de 2012
Tantas noites em flor da Primavera,
Transbordantes de apelos e de espera,
Mas donde nunca nada veio.
Sophia de Mello Breyner Andresen
AS ROSAS
Quando à noite desfolho e trinco as rosas
É como se prendesse entre os meus dentes
Todo o luar das noites transparentes,
Todo o fulgor das tardes luminosas,
O vento bailador das primaveras,
A doçura amarga dos poentes,
E a exaltação de todas as esperas."
Sophia de Mello Breyner Andresen
SE NÃO FALAS
Com o teu silêncio, e aguentá-lo.
Ficarei quieto, esperando, como a noite
Em sua vigília estrelada,
Com a cabeça pacientemente inclinada.
A manhã certamente virá,
A escuridão se dissipará, e a tua voz
Se derramará em torrentes douradas por todo o céu.
Então as tuas palavras voarão
Em canções de cada ninho dos meus pássaros,
E as tuas melodias brotarão
Em flores por todos os recantos da minha floresta."
Rabindranath Tagore
Espectro de Mim
Espectro de Mim
Como nau perdida na noite,
sem destino, sem horizontes...
Assim eu sou:
- Espectro do que fui.
Apenas um vulto,
cara a cara com a solidão.
Sem rumo, sem certezas,
sem perspectivas...
Sem você.
Uma sentença em aberto...
Sem ponto final!
Regina Helena
23 de abr. de 2012
22 de abr. de 2012
O RIO
MURMÚRIO
Traze-me um pouco das sombras serenas
que as nuvens transportam por cima do dia!
Um pouco de sombra, apenas,
- vê que nem te peço alegria.
Traze-me um pouco da alvura dos luares
que a noite sustenta no teu coração!
A alvura, apenas, dos ares:
- vê que nem te peço ilusão.
Traze-me um pouco da tua lembrança,
aroma perdido, saudade da flor!
- Vê que nem te digo - esperança!
- Vê que nem sequer sonho - amor!
Cecília Meireles
CANÇÃO
cantando na noite densa
é coisa que a gente encontra
muitas vezes, mesmo longe
do vago mundo da lenda.
Alma é dor, mas também êxtase.
E quando menos se espera
da areia surge uma fonte,
nasce uma rosa na sombra,
canta um pássaro na treva.
A amada chegando tímida
é a rosa por que esperamos,
o amigo, uma fonte fresca,
e a lua no céu acesa
vale um pássaro cantando.
Solta um pássaro notívago
profunda e grave cantiga
no entanto pura e singela:
isto ocorre quando o Poeta
canta na noite da vida.
Tasso da silveira
NOITE
Noite
A noite se mostrou puro breu
A lua decidiu se esconder
E, perdida em pensamentos indefinidos,
..um misto de solidão invadiu minha alma
Não dormi
... Sai, levando meus sonhos pela madrugada
Cansada de percorrer as ruas desertas da cidade
Não chorei, não reclamei...
Só cantei:
Que noite triste sem lua
Sem as estrelas no céu
Por que de mim se escondeu?
Se foi desfeita não sei .
Lá, lá, lá, lá...
Glória Dantas
CONTIGO
(poema sem verbo)
nas brumas do escuro mar
ou nas areias frias de um deserto
num breve segundo, a eternidade
nas tristes sombras da saudade
...impensada dor da minha treva
depois, de tão longa caminhada
de solitária dor, alma sofrida
pelos caminhos rudes desta lida
contigo, em meus braços, minha vida,
...impensada luz da minha treva
reginahelena
(sem verbo)
21 de abr. de 2012
EPIGRAMA 9
a noite toda se atordoa,
a folha cai.
Haverá mesmo algum pensamento
sobre essa noite? sobre esse vento?
sobre essa folha que se vai?
Cecília Meireles,
E AO ANOITECER
deixas viver sobre a pele uma criança de lume
e na fria lava da noite ensinas ao corpo
a paciência o amor o abandono das palavras
o silêncio
e a difícil arte da melancolia
RUMOR
Feito de coisas mais que de pessoas.
Precede-o às vezes um sibilo breve,
alegre voz que ao dia desafia.
Depois, tudo é submerso na cidade.
E a minha estrela é aquela estrela pálida
da morte devagar, sem desespero.
FRAGMENTO
LUA
com uma santidade de alma em pena.
Seu corpo era translúcido.Ela tinha
sob sua carne um luminar de estrelas.
Morreu.Mas eu nasci.
Por isso levo
um invisível rio em minhas veias,
um invencível canto de crepúsculo
que me estimula o riso e mo congela.
Ela ajuntou à vida que nascia
o estéril ramalhar de vida enferma,
A palidez das mãos de moribunda
amarelou em mim a lua cheia.
atrás dessas vidraças transparentes...
...Esta lua amarela em minha vida
faz com que eu seja um abrolhar da morte...